Guilherme Amado, O Globo
O executivo Paulo Cesena, até mês passado presidente da Odebrecht Transport, afirmou em sua delação premiada que o ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), recebeu R$ 14 milhões da empresa, em 2013 e 2014, via caixa 2. A informação consta de um dos anexos da colaboração de Cesena, a que o GLOBO teve acesso. Ontem, a coluna de Lauro Jardim revelou que o secretário do Programa de Parceria de Investimentos, Moreira Franco (PMDB), um dos políticos mais próximos de Michel Temer, também é acusado por Cesena de, em 2014, ter recebido R$ 4 milhões da Transport. A empresa é o braço da Odebrecht para o setor de transportes. O ex-deputado preso Eduardo Cunha (PMDB) também é citado na delação, por ter recebido R$ 4,6 milhões.
A delação da Odebrecht está agora na fase dos depoimentos, em que os executivos e integrantes da família que também são delatores vão detalhar o que já disseram durante a negociação. Há dez dias, 77 executivos de todas as empresas do grupo assinaram suas propostas de delações, em que resumem os fatos discutidos na negociação. O documento a que o GLOBO teve acesso é parte da delação de Cesena e compreende fatos entre 2007 e 2014.
Kassab, Moreira e Cunha são citados no começo do anexo, que trata dos pagamentos indevidos a agentes públicos pela empresa. Cesena afirma que, em 2014, foi informado por Benedicto Júnior, presidente da Construtora Noberto Odebrecht, de que a Transport entraria no rateio interno da companhia para custear campanhas políticas. Cesena, na Odebrecht desde 1998, era o presidente da Transport.
“Sobre Gilberto Kassab, Benedicto Junior me informou que fez, em 2013 e 2014, pagamentos no valor de aproximadamente R$ 14 milhões, sob o argumento de que seria para apoiá-lo nas eleições ao Senado em 2014 e nas campanhas do PSD”, afirmou Cesena à Lava-Jato.
Os pagamentos, de acordo com o executivo, ocorreram pela “proeminência” de Kassab em São Paulo, estado em que estava a parcela mais significativa do faturamento da empresa. Os valores repassados a Kassab teriam sido associados ao apelido “Projeto”. No ato de assinatura da delação, o advogado de Cesena entregou planilhas do Setor de Operações Estruturadas — uma espécie de departamento da propina criado pela Odebrecht para organizar repasses a políticos.
Não há declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de nenhum recurso do grupo na prestação de contas de campanha de Kassab em 2014 — o que pode apontar que, se a doação de fato ocorreu, não foi por meio do caixa oficial.
Perguntado se procediam as afirmações de Cesena, Kassab não respondeu, mas pediu mais investigação, para “evitar conclusões apressadas”.
— A Lava-Jato faz um excelente trabalho, mas entendo que todos os depoimentos obtidos precisam ser apurados com profundidade e comprovados — afirmou o ministro.
Pedidos de Moreira
A maneira pela qual o dinheiro teria escoado para Moreira Franco foi parecida. Também em 2014, Benedicto Junior comunicou a Cesena que havia sido procurado por Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de relações institucionais da Odebrecht, para que fosse feito um pagamento ao PMDB nacional, a pedido de Moreira Franco. O pedido de Moreira teria sido feito em nome do PMDB, quando ele era ministro da Aviação Civil de Dilma Rousseff. O secretário não foi candidato a nada em 2014. Era, à época, apenas um entusiasmado eleitor de Dilma.
Nas planilhas do departamento de propina, Moreira foi identificado como “Primo” — em outras delações da Odebrecht, é chamado de “Angorá”.
“Moreira Franco era tratado como arrecadador do PMDB. (…) Os pagamentos poderiam ser positivos por facilitar um fácil acesso ao ministro e permitir uma relação próxima a um político que buscava incentivar o programa de investimentos em novas concessões de infraestrutura no Brasil”, explicou Cesena.
O delator contou que sua relação com Moreira girava em torno de concessão de aeroportos e em especial do Galeão, cuja concessão a empresa recebeu em leilão em novembro de 2014. Ele relata que a concessionária se recusou, por exemplo, a atender pedido de Moreira para assumir a operação do Galeão antes do prazo contratual, para que a Infraero não fosse obrigada a operar o aeroporto durante a Copa de 2014. Moreira teria pedido a Odebrecht para definir logo o operador de duty free do aeroporto. A razão para isso não é apontada.
Ao GLOBO, o secretário negou que tenha tratado de dinheiro com Benedicto Junior, Cláudio Melo Filho ou Paulo Cesena.
— Jamais cuidei das finanças do PMDB e não falei sobre recursos para campanha nem sobre política com esses senhores — afirmou Moreira.
A Odebrecht se limitou a reforçar “compromisso com uma atuação ética, íntegra e transparente”.