Dona de empresa de produtos à base de maconha diz que recebeu “pedido” de doação de respiradores para Araraquara. MP investiga indício de propina

CPI da Pandemia já recebeu mais de 280 mil páginas de inquéritos sigilosos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que apuram irregularidades cometidas por Estados no enfrentamento da pandemia. Um dos casos mais escandalosos envolveu o Consórcio Nordeste, presidido no ano passado pelo governador da Bahia, Rui Costa (PT). Dona da Hempcare Pharma, empresa de distribuição de medicamentos à base de maconha, que contava com apenas dois funcionários, a empresária paulista Cristiana Prestes Taddeo embolsou 48 milhões de reais ao vender  300 respiradores destinados a nove Estados nordestinos. A quantia foi paga antecipadamente pelo consórcio em um contrato cheio de fraudes — e até hoje a mercadoria não foi entregue. Em depoimento prestado aos investigadores, Cristiana levantou suspeitas contra dois ex-ministros de Dilma Rousseff: Carlos Gabas (secretário-executivo do Consórcio Nordeste, que validou a compra) e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva.

A apuração chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) após resvalar em Rui Costa, que prestou depoimento à Polícia Federal na condição de “potencial investigado”. O caso é uma sucessão de  irregularidades: a Hempcare Pharma não fabrica respiradores. A suposta parceira chinesa que seria a real fornecedora do equipamento opera no ramo de construção e não tinha qualificação para fabricar os aparelhos, de acordo com o governo de Pequim.

Os investigadores estão convencidos de que a negociação foi fraudada para desviar recursos públicos, em uma manobra que ultrapassaria “os limites da vilania”. Segundo a Polícia Civil baiana, a Hempcare Pharma construiu uma verdadeira rede criminosa que atua de forma estruturada, com apoio de lobistas para venda e compra de respiradores.

Cristiana chegou a ser presa e teve bens bloqueados pela Justiça. Em depoimento prestado aos investigadores, ela disse que, na época dos eventos, recebeu um telefonema de Gabas, que teria se identificado como “irmão de alma” de Edinho, prefeito de Araraquara. De acordo com Cristiana, Gabas afirmou que o município paulista estava precisando de 30 respiradores, mas que Edinho estava sem recursos para bancar a compra. No depoimento, Cristiana afirma que “estava implícito um pedido” e se propôs a fazer uma “doação”. De acordo com o Ministério Público, a tal doação seria na verdade uma propina para viabilizar o fechamento do negócio. A “doação” teria um custo de R$ 1,5 milhão e seria arcada com os valores recebidos do Consórcio Nordeste, mas os ventiladores — de novo — nunca foram entregues.

Procurado por VEJA, Gabas, ex-ministro da Previdência,  disse que a versão apresentada pela empresária “não tem pé nem cabeça”. “Ela me comunicou, ‘olha, vou doar respirador para a prefeitura de Araraquara’, e eu falei ‘Que bom’. Ela dizia que a fábrica dela era lá. Não pedi nada. O prefeito me disse que ela não entregou nada, só prometeu. Não tem cabimento essa história. A criminosa é ela. Ela que tem de responder pelo dinheiro que ela roubou. Quem denunciou à polícia fui eu”, afirmou. Edinho Silva, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), não se manifestou.

 

No mês passado, um requerimento apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para convocar Gabas a prestar depoimento à CPI da Pandemia acabou rejeitado pelos senadores. “A CPI deve ser ampla e irrestrita. O povo quer toda a verdade, e não apenas uma parte dela. Não dá para jogar a sujeira pra baixo do tapete”, disse o senador a VEJA. “Essa CPI, diferente do mensalão e do petrolão, não quer rastrear o dinheiro. Sou favorável a que se investigue tudo.”

Do H.Lucas