Na sua coluna de hoje, na Folha de S. Paulo, o jornalista Elio
Gaspari avalia que em menos de um mês, “abalaram-se duas candidaturas
nas quais a nação petista fazia enorme fé”. “Um só doleiro, veterano de
duas delações premiadas, arrastou a campanha de Alexandre Padilha em São
Paulo e a de Gleisi Hoffmann no Paraná”. Leia a seguir a íntegra da
coluna.
O deslizamento de Dilma
por Élio Gaspari
A campanha pela reeleição da doutora Dilma está numa enrascada.
Carrega uma cruz do passado (as malfeitorias petistas, do mensalão às
traficâncias da Petrobras) e puseram-lhe nas costas outra, do futuro (o
“Volta, Lula”). Está presa à necessidade de justificar o que não fez e a
uma ideia segundo a qual talvez não seja a melhor escolha, nem mesmo
para os petistas e seus aliados.
Lula diz que não é candidato, mas comporta-se como tal e faz isso da
pior maneira possível, como corretivo aos erros cometidos por seu poste.
Na essência do “Volta, Lula” há um implícito “Sai, Dilma”. À primeira
vista, esse movimento oferece um Salvador da Pátria, mas está embutido
na proposta também um Salvador do PT.
O desgaste de Dilma decorre da exposição de um desgaste do
aparelhamento imposto ao Estado. Em menos de um mês abalaram-se duas
candidaturas nas quais a nação petista fazia enorme fé. Um só doleiro,
veterano de duas delações premiadas, arrastou a campanha de Alexandre
Padilha em São Paulo e a de Gleisi Hoffmann no Paraná. Sabendo-se que o
partido está sem pai nem mãe no Rio de Janeiro, à malversação de
recursos públicos somou-se outra, de votos.
O comissariado afastou-se do deputado André Vargas, mas essa
conversão repentina pode ter sido escassa e tardia. Afinal, o PT ainda
não conseguiu se desvencilhar do mensalão, hoje transformado na bancada
da Papuda.
Ninguém pode prever no final de abril o resultado de uma eleição que
ocorrerá em outubro, mas alguns indicadores de hoje são claros:
1) A candidatura de Dilma Rousseff está sendo corroída e mesmo uma
pessoa que não gosta do seu governo deve admitir que boa parte desse
desgaste vem mais da repulsa ao aparelhamento do que a ela.
2) Se a proposição anterior é verdadeira, o “Volta Lula” pode ser tanto um remédio como um veneno.
3) Aécio Neves e Eduardo Campos ficaram na confortável situação de
jogar parados. Pouco dizem a respeito do que pretendem fazer,
beneficiados pela exposição dos malfeitos do governo. Oh, que saudades
da faxina prometida por Dilma.
Não se sabe quem será o Lula que se quer de volta. Sendo uma
“metamorfose ambulante”, talvez nem ele saiba. Prova disso está na
entrevista que deu em Portugal.
Nela disse a coisa, seu oposto e concluiu com uma dúvida.
A coisa, referindo-se à banca da Papuda: “Não se trata de gente da
minha confiança”. Deixe-se pra lá que José Dirceu, “capitão” da sua
equipe, não lhe tivesse a confiança.
O seu contrário: o julgamento do Supremo Tribunal Federal foi “80% político e 20% jurídico”.
A dúvida: “Essa história vai ser recontada”.
Ganha uma viagem a Cuba quem souber qual das três afirmações deve ser levada a sério.
Enquanto esteve na oposição, a nação petista cultivou uma sociologia
de botequim. Supunha que o tucanato espalhara conexões e interesses
capazes de garantir-lhe o controle do Estado. Se os adversários podiam
fazer isso, os companheiros também podiam. Daí surgiram Marcos Valério,
Alberto Youssef, as empresas “campeãs nacionais”, empreiteiras amigas e a
turma das petrotraficâncias.
Lula foi eleito em 2002 porque a invulnerabilidade sociológica do
tucanato era uma fantasia. Mesmo que ele saia do banco de reservas e vá
para a quadra, as urnas poderão mostrar que a dele também é.
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